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sábado, 3 de abril de 2010

... Como ele gostava.


A D. Bruna é talvez o cão que mais felicidade me deu tirar de um canil. Como sempre pouco sabemos da sua história anterior. Sabemos que viveu 8 anos preso a uma trela. Embora não sendo, neste caso por negligência mas por falta de verba para criar outras instalações, a verdade é que este matulão de 40 kg viveu 8 longos anos, muitos meses, milhares de dias, milhões de horas, e intermináveis segundos, preso a uma trela.
O resultado disso foi a deformação da anca ( provavelmente de estar muito tempo sentado sobre a mesma) diagnosticado pelo veterinário como uma espécie de displasia.

Fomos buscá-lo às 3 da manhã ao Estádio Nacional em Lisboa. Eu estava nervosa. Ele nem por isso. Quando nos foi entregue entrou para o carro onde mal cabia. O olhar dele era o de uma curiosidade muito tranquila. Depois da curta viagem em silêncio, subiu de elevador onde se deparou com uma sala cuja indiferença nos pareceu absoluta pois continuava a estar preso a uma trela. Dormiu ao lado do meu sofá muito sossegado e de manhãzinha partimos para o seu novo lar. Uma boa quinta com 1 hectare. Até aqui nada de novo. Deixou-se levar pelas novidades de forma tranquila sem manifestar qualquer agrado nem desagrado.
Com o passar dos dias começou a tornar-se exigente. A ganhar vida. Fechado nem pensar. Se o carro saísse tínhamos de levá-lo senão começava numa berraria infernal junto ao portão até nos convencermos que havia ali sofrimento de ser deixado para trás. E pronto. Lá abríamos o portão para sua súbita felicidade e zás. A D. Bruna corria para dentro do carro com a cauda a abanar fortemente (parecia um chicote) como quem diz a si mesmo: “ Não há volta a dar. Agora não perco um minuto”.
Viajava sempre com o focinho colado ao vidro de trás e com os olhos muito abertos a ver literalmente tudo o que mexia. As viagens para ele eram uma felicidade extrema. Não queria saber de nada nem de ninguém a não ser de se manter com os olhos coladissímos ao exterior, com a língua de fora a ver ver ver, como se o mundo lhe estivesse a escapar por cada segundo de vida. Na quinta a sua vida era uma fona. A quinta era para correr, a moto 4 um brinquedo para ele perseguir, os carros para o transportar nem que fosse por uns escassos metros, a soleira da porta, o local ideal para tirar a soneca da tarde até o sol cair. E o sofá do quarto dos cães o local ideal para uma noite bem dormida. Até à prometida fona do dia seguinte.
Vê-lo nesta felicidade era um prazer diário. Até nos fazia esquecer que ele era grande e sénior com os seus 10 anos ou mais.
Num dia em que a moto 4 andou a carregar lenha ao longo do hectare toda a manhã, a senhora D. Bruna não parou um minuto. Correu atrás da moto 4 como quem corre atrás da felicidade. Ele e os outros patolas andaram numa correria e constante brincadeira sem parar. À hora de almoço eu fui fazer o almoço e a Kangoo ( o carro matrona) saiu para ir despejar o lixo. A D. Bruna que ainda não estava satisfeito, desatou a correr esbaforido atrás do carro, contornando todo o percurso da Kangoo, pensando que íamos sair. Quando saí para a rua novamente (e por acaso) dei com ele a arfar no chão, estendido. Com a língua de fora muito aflito. Respirava a custo e gemia. Preparei o mais rapidamente que pude o carro para levá-lo ao veterinário mas a morte foi mais rápida do que eu. E num ápice ali estava eu atónita, com as lágrimas a quererem sair nem sabiam bem por onde. O esforço físico tinha sido excessivo e o coraçãozinho idoso não aguentou. O minuto seguinte durou séculos. Revivi todo o ano que vivêramos juntos . A alegria, a sofreguidão da correria, as sonecas da tarde na cadeira de baloiço com ele a dormitar aos pés. A sabedoria com que ouvia as palestras que faço para mim e para eles enquanto cozinho, com ele sentado sobre as patas traseiras e a língua de fora como quem percebe o que dizemos mas principalmente com o ar de quem compreende o que nem sabemos que queremos dizer. …A sabedoria e a tranquilidade que só um animal sénior no sabe transmitir. Há qualquer coisa de inexplicavelmente maravilhoso num animal sénior…
Tenho muitas saudades da D. Bruna. A ele faltou-lhe mais tempo para viver a vida com toda a jovialidade tardia que o corpo conseguiu reunir. A mim ficou-me a angústia de não lhe poder ter dado mais tempo assim …como ele gostava.

O tempo pleno de liberdade e felicidade foi pouco para a D. Bruna. E assim vivem milhares de outros cães neste país. Toda a vida. Presos a uma trela. Milhares de dias, milhares de horas, milhões de segundos. O que pergunto é: Alguém ganha algo com isso?

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